Em defesa da cota de gênero nas candidaturas às câmaras municipais e a condenação das manobras partidárias para sua burla

O sistema democrático brasileiro, consolidado pela Constituição Federal de 1988, busca garantir a pluralidade de representações e o equilíbrio entre os diferentes segmentos da sociedade. Nesse contexto, a inclusão de mulheres no cenário político, historicamente marcado por uma predominância masculina, representa um avanço significativo rumo à igualdade de gênero, um dos pilares da cidadania plena. Para tanto, foi instituída a “cota de gênero nas candidaturas”, regulada pela Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997), estabelecendo que, no mínimo, 30% das candidaturas para cargos legislativos devem ser destinadas a um dos gêneros.

A importância das cotas de gênero

O Brasil, apesar dos avanços legislativos, ainda apresenta um “déficit preocupante na representatividade feminina” em seus espaços de poder. De acordo com o Inter-Parliamentary Union (IPU), em português UNIÃO PARLAMENTAR INTERNACIONAL, o Brasil figura entre os países com menor proporção de mulheres no parlamento. Em nível municipal, a situação não é diferente: mesmo com a cota de gênero em vigor há mais de duas décadas, a presença feminina nas Câmaras Municipais segue abaixo de 15% em muitos municípios, evidenciando que as medidas de promoção da igualdade são essenciais, mas insuficientes sem uma efetiva aplicação.

As cotas de gênero não são um privilégio ou tratamento diferenciado, mas um “mecanismo de correção de disparidades históricas” e sociais. A sub-representação das mulheres nos cargos eletivos reflete não apenas o preconceito de gênero, mas também barreiras estruturais como a falta de apoio partidário, dificuldades financeiras, dupla jornada de trabalho e a violência política, que inibe a participação ativa de muitas mulheres.

O combate às fraudes e artifícios partidários

Infelizmente, apesar da clareza da lei e dos avanços que ela busca garantir, “partidos políticos têm utilizado de artifícios para burlar a regra”, lançando candidaturas fictícias, as chamadas “candidaturas laranjas”. Tais candidaturas são criadas com o único intuito de cumprir a cota legal, sem oferecer qualquer suporte efetivo à campanha dessas mulheres. Muitas vezes, elas não recebem recursos do fundo eleitoral, não fazem campanha e, em alguns casos, sequer sabem que estão registradas como candidatas. Isso representa uma violação flagrante ao princípio da isonomia e ao dever constitucional de promover a igualdade de oportunidades.

Em 2019, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) consolidou o entendimento de que o “uso de candidaturas laranjas” configura fraude eleitoral e pode levar à anulação de toda a chapa proporcional, com a cassação dos mandatos obtidos por meio dessa prática (Resolução nº 23.617/2019). Esse é um marco jurisprudencial relevante, pois demonstra que o Judiciário está atento e atuante no combate às fraudes eleitorais que afetam a representatividade feminina.

Consequências jurídicas e a necessidade de sanções mais rigorosas

O descumprimento da legislação de cotas, quando comprovado, deve ser combatido com “sanções rigorosas”, tanto no âmbito eleitoral quanto no âmbito criminal. As penalidades devem incluir não só a cassação dos mandatos dos candidatos eleitos por meio dessas fraudes, mas também a punição dos responsáveis pela formulação e condução de tais candidaturas fraudulentas. Há uma necessidade urgente de “reforço no controle interno dos partidos”, que devem adotar políticas de promoção da igualdade de gênero em suas instâncias, indo além do cumprimento meramente formal da lei.

Ademais, o Ministério Público Eleitoral e a Justiça Eleitoral desempenham papel fundamental no acompanhamento e na fiscalização das candidaturas, devendo atuar com rigor para coibir as tentativas de burlar a legislação. A aplicação de “sanções exemplares” e a “divulgação de boas práticas” são medidas que podem desestimular o uso de subterfúgios por parte dos partidos.

Conclusão

A cota de gênero é uma ferramenta indispensável para a democratização do espaço político e a inclusão efetiva de mulheres nos processos decisórios. Entretanto, sua eficácia depende não apenas da legislação, mas da “fiscalização rígida” e da “responsabilização dos agentes que tentam subverter seu espírito”. A igualdade de gênero no cenário político brasileiro só será alcançada quando houver o compromisso verdadeiro dos partidos em promover a participação feminina de forma ampla e legítima, sem recorrer a subterfúgios e fraudes. Defender as cotas é, acima de tudo, defender a democracia e a representatividade plural nas esferas de poder.

COMUNICADO AO POVO DE ILHÉUS

Diante da fraude evidenciada pela votação inexpressiva ou mesmo pela ausência de, sequer, um voto destinado a diversas candidaturas femininas ao cargo de vereadora do Município de Ilhéus/BA nas eleições de 2024, bem como pela ausência de repasses financeiros do fundo eleitoral, dentre outras, o Reverendo Luciano Campelo (Frei Leão da Libertação, CJ) apresentou denúncia ao Ministério Público Eleitoral contra os partidos que assim agiram, solicitando a adoção das medidas legais cabíveis para responsabilizar todas as pessoas envolvidas nas fraudes, anular a votação de todas as chapas proporcionais dos referidos partidos políticos e, recalcular o quociente eleitoral.

Ilhéus, 15 de outubro de 2024

Reverendo Luciano Campelo

(Clérigo da Igreja Anglicana do Brasil e frade franciscano na Ordem Companheiros de Jesus)